Camilo Santana já tinha aquecido a voz, a letra da música na ponta da língua, mas viu sua performance frustrada no The Voice da Base Aérea. Entre os seus dois ministros, Lula virou a cadeira para o da Defesa. Como se fosse o Ratinho, em outro programa de TV, o presidente-apresentador exibiu o exame do DNA: o pai da criança é José Múcio. Foi ideia do pernambucano, e não de Camilo, trazer para o Ceará o câmpus do Instituo Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Isso explicaria o choro?
Apesar do coro uníssono na imprensa e na voz de aliados, dava para desconfiar de que não partira de Camilo a iniciativa de inaugurar uma escola da Aeronáutica. Afinal, o início de sua gestão no MEC foi marcado pelo aniquilamento do programa de escolas militares, turbinado no governo anterior de Jair Bolsonaro. Seria um paradoxo, mas lá estava ele, louvando e chorando a excelência do ensino militar e a importância deste ato para o Ceará, A incoerência, talvez, responda pela voz embargada e o brotar de lágrimas.
Muita gente achou o gesto teatral, que eram lágrimas de crocodilo, enquanto degustava a ausência de Luizianne no palco. Mas foi a ausência mais presente naquele evento. Nem se deu muito pela falta de Cid Gomes, ou a de José Guimarães, que deixou de ir ao ato público para ficar na privada. Havia mesmo motivo para o pranto camiliano ou o seu carpir era em função da decomposição política de seus adversários?
Nos anos 1940, Dorival Caymmi saiu da Bahia para fazer carreira no Rio de Janeiro. Aproveitou a viagem de navio para imortalizar a embarcação com o seu “Peguei um Ita no Norte“. Não há mais essa companhia de navegação. E quando se falou de novo em ITA foi por iniciativa de outro nordestino, o cearense Casimiro Montenegro, marechal do ar, que o fundou em 1950. Visionário, já tinha criado o Correio Aéreo Nacional. Também participou do movimento golpista de 1930, que derrubou a Velha República.
Diante desse ilustre militar cearense, de patente destacada e de grandes feitos para o Brasil, eu vislumbrei mais um motivo para contestar os que acharam o choro forçado. Dois dias antes, o seu pupilo Elmano de Freitas dava início ao processo de remoção dos restos mortais de outro grande marechal cearense, o Castelo Branco. Sob o revisionismo tacanho dos que defendem a medida, deveriam também repudiar Casimiro Montenegro, igualmente golpista na visão de seus detratores.
A pequena estatura política de Elmano, já expressa por esse vilipêndio à memória de um herói nacional, foi mais uma vez exposta ao ex-poste na fala de Lula: “Você tem que se esforçar para ser melhor, ou ao menos igual, do que Cid e Camilo“. Não só as lágrimas, tudo era muito teatral, até a dramaticidade com que Linda Lins explicou sua ausência. Lula reclamou que precisa ensaiar melhor, quer um alinhamento dos discursos, pois, ao falar por último, tudo que tinha a dizer já foi falado por quem o antecederam.
Mesmo que a iniciativa não fosse de Múcio, ainda assim, a causa da escolha do Ceará não seria simplesmente o prestígio do senador no MEC. Segundo Lula, é a constatação de que 40% das vagas disputadas no vestibular do ITA são conquistadas pelos cearenses. É uma cota tradicionalmente estabelecida. Só que, pelo mérito.
E, por falar em cota, o deputado Idilvan Alencar achou por bem pegar uma carona no ITA e sugerir a reserva de 50% das vagas para alunos de escolas públicas. Populismo à parte, ele não gostou da reação negativa à sua proposta, dizendo tratar-se de preconceito, como se não acreditassem na competência do estudante da rede estadual. Ora, se ele acreditasse mesmo na competência, nem pensaria em estabelecer a cota. Melhor que isso foi a decisão de Elmano em oferecer curso preparatório para o vestibular.
Se Camilo Santana não levou o troféu como cantor no The Voice da Base, com a música “Levei um ITA pro Norte”, pode fazer jus a uma estatueta por seu desempenho teatral. Só não pode participar da peça “As lágrimas Amargas de Petra von Kant“, que se transformou num grande filme de Fassbinder, porque o elenco é todo feminino. Aí, teríamos que chamar a Loura, que é muito mais performática.