Acusado de participar dos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro, Cleriston Pereira da Cunha morreu, aos 46 anos, depois de passar mal durante banho de sol no presídio da Papuda em Brasília, morreu nesta segunda-feira (20). Preso em flagrante sem direito a audiência de custódia (que só aconteceu 24 horas depois), contrariando as leis. Sua prisão foi transformada em preventiva sem os requisitos para tal, segundo a defesa.
Recluso por mais de nove meses, sem condenação, Clériston Cunha tinha sérios problemas de saúde, atestado pelo médico, que o acompanhara em internamento hospitalar, tendo alertado em documento que a prisão traria risco de vida. Essa argumentação foi levada ao relator-algoz do processo, Alexandre de Moraes, que não tomou conhecimento. Dependente de remédio controlado e de uso diário prolongado, a defesa do réu convenceu o ministério Público, que fundamentou o pedido de soltura ainda em setembro. Moraes, porém, não é dado a levar em consideração o posicionamento da PGR. Deu de ombros.
Depois da morte e da repercussão, só então, o ministro deu atenção ao caso. Pediu o laudo da morte. Seria para sua defesa ou para imputar a outrem a causa da morte do cidadão? Moraes precisa prestar contas de seus atos, do rigor para com cidadãos comuns, tratados como os piores criminosos, só porque na careca lustrosa há o convencimento, e a vaidade, de que queriam derrubar o estado democrático de direito, dar um golpe. Sem provas, a não ser a convicção, como uma vez citou Daltan Dallagnol.
Cleriston Cunha é o maior símbolo da tortura de que falou Gilmar Mendes, quando criticava acerbamente a força tarefa da Lava-Jato, com “prisões alongadas”. Era coisa de pervertidos, dizia Mendes, alertando a um colega de plenário, “que não podemos deixar repetir”. Pervertidos, dizia, escandindo as sílabas. “Como chegamos até aqui”, continuava ele com seus lampejos retóricos. E parecia ser só isto, retórica. Tanto que o modus operandi foi seguido à risca por Moraes, sem que houvesse qualquer pio de admoestação ou reparo por parte do decano da corte.
Desde que o STF meteu os pés pelas mãos, arvorando-se de defensor da democracia, e, para isso, se esbaldando em excepcionalidades, o Brasil está de cabeça para baixo. A Corte, de onde teríamos o compromisso da segurança jurídica, emite preocupantes sinais contraditórios. A mesma ministra que se jacta na frase “cala boca já morreu” vota pela censura prévia “só por um período”. Deve ser só pelo tempo em que o povo se acostuma com o autoritarismo judicial.
O mesmo STF que desfez o processo de Lula por erro de competência, é o mesmíssimo que, sem o menor pejo, evoca para si a condução dos atos de 8 de janeiro, sem que haja entre os investigados um único com foro por prerrogativa de função. Se a vara de Curitiba não tinha competência para julgar os crimes de Lula, muito menos o Supremo para julgar crimes comuns. Não custa lembrar aos que querem fazer justiça com as próprias togas: é uma corte constitucional.
Há outro agravante, pelo qual o STF deveria se afastar desse processo. Fere o direito ao duplo grau de jurisdição, garantido não só pela lei brasileira, mas também por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Nada além do Supremo a que se recorrer. Ainda mais, quando encetam restrições. Decidiram (inventaram) que não há concessão de habeas corpus contra decisão de ministro do STF. É absurdo por cima de absurdo.
O contraste com as recentes notícias é inescapável. Enquanto cidadãos comuns, nem réus ainda, sem qualquer passagem criminal anterior, são massacrados no encarceramento (torturados, na interpretação de Gilmar), a Dama do Tráfico flana por corredores e gabinetes das mais altas autoridades da República. Enquanto os patriotas penam as agruras da Papuda e da Colmeira, com sua dignidade vilipendiada, o assassino do fã de Swift Taylor, já com registro criminal, tinha sido solto na audiência de custódia no mesmo dia em que cometeu o crime.
Enquanto o bandido foi solto para matar, Cleriston foi preso para morrer. Não se trata apenas da decretação de uma prisão preventiva, foi uma sentença de morte exarada pelo STF. É disso que se trata.
Assista ao comentário, um recorte do Café com Cléver, programa veiculado nas rádios:
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