Os barulhos ecoaram como trovões e os clarões como relâmpagos. No céu, nenhuma nuvem. Apenas as habituais estrelas, milhares… dezenas de milhares. No chão, três soldados mortos do governador Herodes. No ar, um cheiro de enxofre queimado. Não, não fora obra de satanás. E, sim, mais um milagre do Messias, que acabara de vingar a decapitação de João Batista.
Logo a notícia se espalhou. O homem que pregou oferecer a outra face, agora aperfeiçoava o Código de Hamurabi: dente por dentes.
O artefato que cuspia fogo lhe fora dado no deserto, durante os 40 dias em que se isolou para jejuar. Nesse período, aprendeu a manusear o armamento, a mirar e a acertar os alvos. Lagartos, cobras e alguns roedores, então. A carne não poderia ser desperdiçada e o sangue lhe mataria a sede. Melhor deixar o bicho agonizando até a noite, quando a bebida quente lhe aqueceria do ar gelado.
Agora, o homem antes amado era temido. Além dos doze apóstolos, centenas o seguiam. Aliás, onze apóstolos, pois Judas fora executado por Messias, após revelado um plano de traição junto a soldados romanos. Entre os seguidores, o velho cego de Betsaida, que teve a cegueira vingada, após pedir um milagre ao Messias.
Com tanta gente por onde passava, Messias precisava de pão. Mas não lhe era mais necessária a multiplicação, pois o artefato garantia a boa vontade dos abastados comerciantes. Ainda mais quando um ladrão quase foi linchado pelo grupo de Messias em uma tentativa de roubo a um dos comércios em Gólgota. Dias depois, o bandido fora apenado com a crucificação na colina, ao lado de outro ladrão.
Enquanto ganhava seguidores, Messias perdia apóstolos. Pedro voltou a ser pescador. Mateus foi contratado por Pilatos para o cargo de cobrador de impostos. Tomé nunca acreditou mesmo…
Aos poucos, as histórias sobre Messias foram se transformando em lendas. O tal artefato não mais cuspia fogo. Não se notavam mais seguidores em suas idas ao deserto, à procura da criatura que lhe entregara o armamento. Sem o poder da multiplicação de pães, a fome lhe fora companhia. Em sua fraqueza, ficou cego como o velho de Betsaida. E se enforcou em uma árvore.
Ao longo dos séculos, as histórias foram varridas como o vento nas areias do deserto. E Messias hoje não passa de mito.
Nicolau Araújo é jornalista