Artigo – A Igreja circense e os demônios comunistas

Num acordo de delação premiada feito com um suposto pastor evangélico, Maria Mulambo, Zé Pilintra e Maria Padilha revelaram o plano secreto do presidente Lula para o Brasil. A destruição do país. As entidades da Umbanda foram conduzidas coercitivamente a um tribunal religioso e obrigadas a depor sob ameaça de serem torturadas em nome de Jesus, pelo líder religioso que se dizia pequeno diante do mundo, mas capaz de tirar Lula da presidência da república. Utilizando-se do corpo de uma frágil mulher, as entidades foram chegando uma atrás da outra e confessando que elas são cúmplices do presidente e que a primeira dama Janja não é uma mulher de Deus como Michelle Bolsonaro. Pode até parecer a sinopse de um filme conspiracionista produzido por Mel Gibson e estrelado por Jim Caviezel, mas o relato que dá início a este artigo apenas reproduz a cena de um culto evangélico realizado em local ainda incerto e não sabido e protagonizada por mais picareta explorador da fé alheia.

O vídeo que circula pelas redes sociais é de causar nojo, repulsa e vergonha. O espanto só não é provocado, pelo menos neste que vos escreve, porque cenas como essa são comuns em boa parte dos lugares denominados “igrejas” existentes no país. Incorporado pelo caboclo Moro sete sentenças, a entidade guardiã do lawfare, o tal pastor conduzia e filmava o depoimento da mulher para vazá-lo na imprensa no dia seguinte. Acuada pelo pastor e coagida a dizer o nome do demônio que mandava em Cachoeira, a atriz, digo, a depoente que se identificava como Maria Mulambo, respondeu num resmungo: “É Zé Pilintra”, e soltou uma gargalhada antes de chamar o próprio para depor diante do pastor e dos fiéis que acompanhavam atentos ao espetáculo. Em questão de segundos, Zé Pilintra se apresenta no mesmo corpo e com a mesma voz da depoente anterior, e ao ser questionado pelo pastor se era ele quem estava possuindo o corpo do presidente Lula, responde: “cachaça”, talvez pedindo uma dose para poder encarar a ingrata missão que é estar em uma igreja evangélica brasileira, com algumas exceções, nos últimos tempos. Algo que, de cara limpa, é quase impossível.

Além de demonizar entidades de matriz africana, algo que segue acontecendo na maioria das igrejas evangélicas brasileiras, sem que a justiça considere tal prática como crime de ódio e intolerância religiosa, o pastor tenta induzir os presentes a acreditarem que Zé Pilintra é um demônio comunista que está ajudando Lula a destruir o Brasil promovendo guerras, fome e maldição. Na sequência, é a vez de Maria Padilha se apresentar e revelar que ela e a primeira dama Janja são best friends. No que o pastor pede para que ela leve um recado aos ”nove dedos”, se referindo ao presidente Lula. “Diga a ele que eu vou tirá-lo da presidência”, disse o pastor, agora incorporado no Branco Velho, a entidade que fecha ruas e estradas para reverter o resultado das eleições. Eu poderia dizer que qualquer um que acredite nessa marmota não está com a saúde mental em dia. Porém, observo que boa parte das pessoas que frequentam essas seitas são tão mal-intencionadas quanto os seus líderes. E isso é triste, do ponto de vista religioso, e criminoso, do ponto de vista social. E precisa de uma resposta, tanto por parte da sociedade que ainda raciocina, como por parte dos religiosos cristãos que não desejam ser comparados a esses estelionatários da fé.

O racismo religioso e o golpismo político presentes nessa espécie de circo dos horrores, já foi prejudicial demais à sociedade brasileira. Está na hora de dar um basta. Sob a égide da liberdade religiosa garantida pela constituição, tudo o que existe de mais nocivo e perturbador dentro da mente humana continua sendo normalizado em nome de Deus. Se há oposição a essa loucura divinizada, dizem que é perseguição aos cristãos, cristofobia, e que querem calar o povo de Deus. Mas que tipo de deus estaria ao lado de tanta insanidade e má fé? Imaginem se as religiões de matriz africana organizassem cultos para expulsar o Bispo Macedo das pessoas, ou libertar os fiéis do espírito de Malafaia? Como isso seria encarado? Existem mais motivos para que esses exorcismos sejam realizados, e eu nem preciso decliná-los aqui. Porém, do que essas religiões seriam acusadas? É óbvio que existe uma ação orquestrada por trás disso, com a intenção de provocar a intervenção da justiça e justificar a paranoia persecutória que eles vêm pregando há muito tempo. Independentemente de oferecermos a essa malta pseudo cristã o pretexto que eles tanto querem para deflagrar uma guerra religiosa no país, algo precisa ser feito a nível de Estado.

Nenhuma religião ou seus adeptos pode ter carta branca para disseminar o caos mental e social no meio de pessoas que não são obrigadas a conviverem com um esgoto ideológico a céu aberto na porta de suas liberdades individuais. Há muito venho alertando nessa coluna com relação a questão de saúde pública que se tornou essas supostas manifestações espirituais. Os profissionais da saúde mental precisam se manifestar a respeito e alertar aos demais que ainda não foram contaminados por esse vírus do charlatanismo neopentecostal, que isso pode ser um transtorno grave. Continuar naturalizando essa barbárie religiosa ou atribuindo a ela um caráter lúdico e humorístico, só faz aumentar a proliferação desse cristianismo distópico. Não é nenhum absurdo imaginar que os seguidores dessas doutrinas possam agir violentamente contra aqueles que são apresentados a eles como ameaça diabólica. E as consequências disso serão trágicas. Sem contar a energia negativa que essas pessoas emanam contra os alvos estabelecidos para serem abatidos espiritualmente em nome da libertação do país. E nessa lista estão todos que não são, não pensam e não agem igual a eles.

Ao dizer que vai tirar Lula da presidência com a sua fé, o tal pastor repete um discurso que está sendo disseminado dentro de muitos templos a mando de políticos ligados à igreja, e que fazem parte do projeto de poder evangélico que deseja tomar o país. Quando Damares Alves disse que estava na hora de os evangélicos governarem a nação, estava implícito que seria por qualquer meio. Como não é possível por vias racionais e democráticas, o método mais sujo para atingir o intento é o que resta para ser aplicado. O pânico moral diante de uma suposta guerra espiritual vigente, é o pano de fundo para que os demônios do fascismo tentem dar outro golpe na nossa democracia. Disfarçados de anjos do bem, eles trazem uma faca na ponta da língua e um fuzil debaixo de suas asas. Eles se alimentam do caos, da tragédia, do infortúnio, da dor e da instabilidade mental daqueles mais suscetíveis ao desequilíbrio. É bom que Jesus deixe a poeira baixar e só volte quando essa gente estiver devidamente tratada. Do contrário, nem ele escapará desses abutres.

Ricardo Nêggo Tom é cantor e compositor

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido.

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