A Polícia saiu para pescar

Depois de aberta a temporada de caça aos bolsonaristas, a Polícia Federal invadiu a praia dos Bolsonaros, da Barra da Tijuca à Angra dos Reis. As operações da PF costumam ser midiáticas, mas as que alcançaram a família do presidente foram cinematográficas, incluindo o uso de helicópteros, na vila histórica de Mambucaba. Pode até não ser, mas parece roteiro de filme, cuja verossimilhança alimenta a teoria conspiratória de perseguição política.

Três curiosidades nesta operação:

1 – Em quatro anos de gestão (dois, sob Ramagem) só se registou um ÚNICO pedido de ajuda em relação a inquéritos que envolveriam a família, encaminhado por uma assessora de Carlos Bolsonaro, o que foi tomado como prova do tal Núcleo Político, e sustentou a busca e apreensão.

2 – A mensagem é de outubro de 2022, data em que Ramagem já deixara a agência há uns seis meses. Tinha acabado de se eleger deputado federal.

3 – Os inquéritos para os quais a assessora pedia ajuda, nenhum deles tinha qualquer Bolsonaro como alvo.

Há algum tempo a Abin está na mira da Polícia Federal, que mantém contínua disputa por espaço de poder, seja no enfrentamento à Procuradoria Geral da República, que não lhe reconhece legitimidade para firmar acordo de leniência, seja contra o próprio Exército. Tanto que, ao deflagrar a operação da Abin Paralela, sugeriu a Lula a demissão da cúpula da Abin, que, segundo a PF, obstruiu as investigações.

Lula não cedeu à pressão da Federal, por achar que há uma guerra de versões. A Abin de Lula vê distorção da PF contra a Abin de Bolsonaro. Em relação ao software espião First Mile, comprado no governo Temer, já fora alvo de investigação e correição por iniciativa de Ramagem quando assumiu a agência. A PF chegou a fazer diligência em conjunto com a Abin. Por falar nisso, não é a estreia da Abin em rumorosas investigações. A agência já espionou adversários durante o governo Lula.

Apesar das vicissitudes promovidas no Supremo Tribunal Federal, não me lembro de ver a corte envolvida em ações policiais cuja fundamentação para busca e apreensão, e até prisão, se desse em bases tão frágeis. O empresário conhecido como CVC foi preso por sua participação presencial nos atos do 8 de janeiro. Prova: uma foto de internet, que fora adulterada para fazer crer que participara dos eventos. Mas a foto, logo se soube, era de outro evento, quatro anos antes, durante a posse de Jair Bolsonaro, em 2019.

A mesma foto adulterada fundamentou a busca e apreensão do líder da Oposição, deputado Carlos Jordy, que teve o seu gabinete invadido no Congresso. CVC, preso por uma foto adulterada, numa mensagem de zap a Jordy, chamara o líder de “meu líder”. Jordy é candidato do PL a prefeito de Niterói. CVC apresentou as provas de que não estava no evento, com GPS e câmeras que indicavam estar no Rio, e não em Brasília. O delegado da PF só o soltou com a ordem judicial, que desfez o absurdo cometido pela polícia.

Numa só operação, atacaram-se dois proeminentes parlamentares prefeituráveis do Estado do Rio. Acharam pouco? A PF achou. No domingo, a família Bolsonaro se reuniu em live para lançar programa de formação de candidaturas. O sucesso da apresentação, com cerca de 500 mil visualizações simultâneas, deve ter mexido com os brios da briosa corporação. Bolsonaro saiu mais cedo, avisando que iria pescar no dia seguinte. A PF se preparou para a caça.

Segundo a PF e o ministro Alexandre de Moraes, essa fase da operação atinge o núcleo político. Se tivemos uma foto adulterada e uma mensagem de zap descontextualizada para atingir Jordy e Ramagem, o que fundamentaria a busca e apreensão de objetos de Carlos Bolsonaro? Também uma mensagem de zap. Desta vez, de uma assessora sua, pedindo ajuda ao “então diretor geral da Abin”. Acontece que, quando da mensagem, Ramagem já estava fora da Abin há cerca de seis meses, e tinha sido eleito deputado federal. Portanto, mais uma busca e apreensão baseadas em informação falsa.

Como as ações são midiáticas, a mídia cumpriu seu papel com ampla cobertura. Papelão foi o da jornalista Daniela Lima, esbaforida, como se desse a grande notícia da sua vida, o grande furo que, mostrou-se no mesmo dia, era uma grande barrigada (fake news). A moça disse que a PF encontrara um computador da Abin na casa de Bolsonaro. O computador da Abin, na verdade, foi apreendido em Salvador, em posse de uma funcionária da Abin, esposa de um dos alvos da operação. Ela não estava sob investigação, que, mesmo assim, teve seu notebook funcional apreendido.

Tão mais frágil a fundamentação, mais atabalhoada foi ação da PF. O alvo era Carlos Bolsonaro. Mas quem teve a casa vasculhada foi o alvo principal, o sujeito oculto de todas as movimentações, Jair Bolsonaro. A casa abrigava vários hóspedes, e a Polícia quis levar os dispositivos de todos. Os Bolsonaro estavam no mar, enquanto a PF fazia pescaria em sua residência. Quando voltaram, argumentaram que havia senadores e deputados, o que fez com que os policiais recuassem. Ainda assim, levaram o computador de um assessor, que não era alvo da busca.

Tudo parece roteiro de um filme, incluindo um Judiciário que se afasta da Lei, e uma polícia que se sente à vontade para perseguir. Além do Direito Penal do Inimigo, temos uma outra expressão jurídica muito comum nos últimos dias, e muito criticada por quem defende o estado democrático e de direito: a fish expedition, a pesca probatória, proibida no nosso arcabouço jurídico.

Cadê aquela Polícia Federal, técnica, que não se dobrava às pressões políticas, que aprendemos a respeitar e admirar? Não está mais aqui, saiu para pescar.

Luciano Cléver

Luciano Cléver

Jornalista formado pela UFC, em 1988, coordenou o núcleo de comunicação da Caixa por 18 anos, trabalhou como repórter na Gazeta Mercantil, no Diário do Nordeste como secretário de redação, editor do jornal Expresso do Norte (Sobral), foi editor do portal do Sistema Paraíso. Está à frente do programa de rádio Café com Cléver, veiculado na rádio Paraíso FM (Sobral). E nas redes sociais (Youtube.com/@cafecomclever). É comentarista na TV União. Cristão, apaixonado por cinema, vinho e xadrez.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pode te interessar:

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x250px

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x300px

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x300px