As leituras e os exórdios da salvação

Os da nossa idade, estamos nas leituras das despendidas, como disse certa feita Álvaro Moreyra. E das escolhas essenciais. Não quero ninguém rezando pela minha alma. Prefiro a indiferença.

Dos amigos, que não me valham as suas orações; mas contam as suas boas lembranças…

Em Paris, estava eu a arrumar o apartamento alugado há pouco na porte de Saint-Cloud, quando ouço baterem à porta.

Eram duas freiras, não identifiquei a marca de procedência, mas logo soube do seu perverso intento. Os querubins de Deus queriam, como vim a saber, coletar a minha alma para a glória do Altíssimo.

Disse-lhes que era ateu. Essa confissão, ao contrário de as assustar, acendeu o espírito do desafio e revelou-lhes a grandeza do empreendimento que tinham pela frente.

A conversão de uma alma ímpia!

Entreolharam-se confortadas com a sorte que lhes sorria naquele mês de dezembro.

Ao dar-me conta da sua alegria de missionárias prestes a operar um milagre em um pecador de grosso calibre, vi que errara a escolha da recusa para aceitar a minha acolhida iminente no Paraíso.

Considerei a fragilidade dos meus argumentos. Confessei-lhes, “In extremis”, ser comunista.

A revelação insólita acendeu um novo fio de esperança, as irmãzinhas da salvação andaram a ler a Rerum Novarum e concluíram que eu estava no papo. Leão XIII no comando!

Procurei pecados improváveis que as imobilizassem na sua ânsia de levar-me pela estrada da Salvação. Nada me vinha à cabeça. Acudiu-me uma ideia que me parecia a mais adequada para aquela delicada circunstância.

Disse-lhe que era protestante.

As duas redentoristas pararam, imobilizadas; guardaram subitamente os apetrechos dos exorcismos da conversão, recolheram as réstias de esperança com os terços e as medalhinhas e precipitaram-se pelas escadas abaladamente.

Foi como escapei de uma desobriga missionária em Paris, lugar no qual as pessoas contraem novos pecados: nunca pretendem desfazer-se deles por tão pouco… Sou por esta razão imensamente grato àquele monge Lutero.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido.

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