STF insuflou os atos antidemocráticos

Um ano depois da manifestação de 8 de janeiro, que insistem em nos convencer de que foi tentativa de um golpe de estado para tomada do poder, muito se fala sobre os autores intelectuais da empreitada. O presidente Lula, que não consegue tirar Bolsonaro da cabeça nem o rancor do coração, afirma que o responsável foi o ex-presidente, a quem sucedeu prometendo conciliar o país, mas continua a fertilizar a polarização, para tirar proveito político.

Alexandre de Moraes, o relator de todos os inquéritos, chegou a chamar de terrorismo os atos de 8 de janeiro. Ainda tentou justificar, mas não há respaldo na Lei

Por causa da efeméride, vários veículos de comunicação se debruçaram sobre os atos, os precedentes, os detalhes, a ação (ou omissão) das autoridades. A história, sabemos, é escrita pelos vencedores. Esses redatores, no calor das emoções, chamaram os atos de terrorismo. A palavra se esvaiu de bocas poderosas, como a do então ministro da Justiça, Flávio Dino, do ministro plenipotenciário do STF, Alexandre de Moraes, e foi parar nas redações que a incluíram em textos, como sua. Depois, as autoridades precisaram recuar porque os atos, se criminosos, não se encaixavam como terrorismo na legislação brasileira, nem pretérita nem contemporânea.

Na contramão dos senhores donos da história, dos vencedores que ficaram com as batatas e o ódio, tomo uma decisão monocrática. O principal culpado por toda a revolta, que eclodiu no vandalismo daquele domingo de sol na Praça dos Três Poderes, foi o próprio STF com seus sucessivos atos antidemocráticos, aqueles que transbordaram o leito constitucional e se espraiaram às margens plácidas da Lei. Data vênia, a conclusão não é só minha. Tornou-se perigoso criticar os poderosos, mas no escondidinho da consulta popular, revelou-se que a credibilidade do STF está em queda.

A descrença na Justiça é tóxica para a democracia, e quem contribuiu para isso, quem perdeu o respeito da sociedade foram aqueles que não se deram ao respeito, ao fazer justiça com as ´próprias togas, com medidas autoritárias, sob o manto da ilegalidade permitida, a que se prestaram os ministros do STF. E também TSE, quando foi chamado a campo, no período eleitoral. Jamais houve uma hipertrofia tão grande no Judiciário, quando, num processo de fagocitose, foi-se alimentando das prerrogativas dos demais poderes. Quanto mais se fragilizava o Legislativo, quanto mais vulnerável o Executivo, o STF crescia em monstruosidade, rompendo o equilíbrio dos poderes republicanos.

Tudo começou com o tal do Inquérito das Fake News. Sem amparo na Legislação, a não ser no regimento interno, que tem força de lei, foi aberta investigação para apurar ataques (e ameaças) contra membros do Supremo. Em tese, esse ataque (ou ameaça) deveria ter sido no ambiente da corte, cujas fronteiras se alargariam até a garagem, ao estacionamento, no máximo. Os ameaçados foram muito além. Qualquer parte do país seria sede do STF se um de seus membros estivesse lá. Apelaram para um atributo divino, a onipresença; para um dom santo, a ubiquidade.

Se é Regimento Interno, deveria valer para coisas internas. O inquérito foi qualificado como natimorto pela única voz dissonante, a do então decano, ministro Marco Aurélio. Estava eivado de ilegalidades, como uma frondosa árvores de natal e seus penduricalhos anticonstitucionais. Logo na Corte, responsável pela salvaguarda da Constituição. Aberto de ofício, o que não é comum, mas previsto no regimento INTERNO, não houve sorteio do relator, escolhido adrede o cavaleiro de triste figura para enfrentar os moinhos de vento em defesa dos magistrados. No entender supremo, o ataque a eles seria também um ataque à democracia, a donzela eternamente ameaçada.

Toffoli, então presidente do STF, abriu o inquérito e escolheu o relator Moraes, para investigar ataques contra o STF quando foi alvo da capa da revista Crusoé, com o título “O amigo do amigo do meu pai”, assim chamado por Marcelo Odebrecth, como integrante de uma lista de propinas da empreiteira.

Cavalgando o seu Rocinonte, dom Alexandre de Moraes troteou sobre o sistema acusatório, atropelando a Procuradoria Geral da República, e a quem mais se lhe opusesse, personificando em si mesmo os diversos personagens do processo: vítima, investigador, acusador e juiz. O que começou mal na gestação, piorou na execução, censurando veículos de comunicação que ousaram dizer como Tóffoli, então presidente do Excelso tribunal era chamado na planilha de propinas da Odebrecht: “o amigo do amigo do meu pai“. Soube-se que a corrupção tomara de assalto a República, até nos mais recônditos escaninhos do Judiciário, com o Supremo, com tudo.

O tiranete desconheceu limites em destemidas decisões monocráticas, que vieram a ser respaldadas por seus pares, levando ao pântano da ilegalidade toda a instituição. Apesar de dar filhotes igualmente deletérios para o processo legal, o das Fake News é o mais longevo, colhendo, como rede de arrastão, o que não é do gosto do freguês. Perguntado sobre o fim do malfadado inquérito, responde com arrogância. Termina quando acabar. Sempre soube que um inquérito é para apurar supostos crimes já cometidos. Este, está aberto ao futuro. Sem evidências, apela para a vidência.

Sem encontrar resistência num Congresso acovardado, Moraes nem precisou tomar chegada, para avançar sobre o território inimigo, entrincheirado no outro lado da praça: o Executivo. Mais precisamente, aquele que não prestou vassalagem ao sistema. Breve, o cobrador bateria à sua porta a lhe exigir tributos. O Dia da Infâmia, o verdadeiro Pearl Harbor nacional, deu-se quando, sem razoável justificativa legal, Bolsonaro foi impedido de nomear o policial Ramagem para comandar a Polícia Federal. Porque era seu amigo, como se o normal fosse recrutar entre inimigos os auxiliares de sua gestão.

A partir daí, houve uma escalada de ações, cujo conjunto se desenhava como um golpe de estado sem tipicidade, a impedir que o eleito pelo povo exercesse o governo. Durante a pandemia, verificou-se uma experiência social. Com doses cavalares e diárias de notícias sobre o vírus, houve um teste para saber até onde a sociedade aguentaria medidas autoritárias. Basta amedrontá-la. O STF passou a interferir em políticas públicas, sob o pretexto de salvaguardar a voz da ciência sobre como agir em função de um vírus tão letal quanto desconhecido.

O tribunal interferia até mesmo na Anvisa, a agência responsável pela checagem da qualidade de produtos farmacêuticos. Queria impor a aprovação da vacina russa, que tinha problemas. O Executivo foi pressionado com prazos exíguos (24 horas para fazer isso, 48 horas para responder aquilo). A cobrança da mídia se intensificou. Pressão por lockdown, que faria a economia desabar por knockout. Se Bolsonaro não fosse abatido na pandemia, sucumbiria no pós. Com a economia em frangalhos, não teria como resistir.

A nau do capitão, porém, não soçobrou no temporal. Com Paulo Guedes no timão, a economia brasileira fez a travessia e surpreendeu o mundo com números robustos. Tanto na recuperação do emprego, como no controle da inflação. Tanto que iria chegar ao fim do mandato com as contas públicas em dia e superávit primário de R$ 54,1 bilhões.

Diante da derrocada dos agourentos prognósticos e de tanta resiliência, a ponto de ainda ser um candidato competitivo, o STF resolveu aloprar, chocando a sociedade. Mesmo com toda ferocidade dos ataques, e com vários nomes testados, só restou um político capaz de lhe ombrear: Lula. O problema é que Lula, condenado em várias instâncias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com sobradas provas, era ficha suja. “Só isso??? Detalhe bobo, deixa que eu resolvo”, deve ter pensado Fachin.

Gilmar Mendes devolveu o voto um dia depois do vazamento de conversas de Moro. Momento propício para cabalar o voto de Carmem Lúcia, que mudou de lado, e condenou Moro, inutilizando todos os processos ( e provas) da Lava Jato. “Foi uma ação do STF que elegeu Lula”, reconheceu em 2023.

Depois de cinco anos de tramitação, num embargo de declaração, que não se presta a esse tipo de decisão, Fachin descobre que Curitiba não tinha competência para julgar Lula. É muita incompetência! Os processos deveriam ir para São Paulo ou Brasília, ou qualquer outro canto do país (que não houvesse juiz tão rigoroso). Mas as provas poderiam ser aproveitadas. Gilmar deu um jeito. Conseguiu aprovar a parcialidade de Moro, depois de meses sobre o processo, quando tinha pedido vistas. Para isso, precisou chamar Carmen Lúcia para mudar de voto. Outro caso raro no STF.

Durante o processo eleitoral, entra em campo o TSE. Adivinha quem o presidia. O mesmíssimo senhor de todos os inquéritos. Um organismo se comunicando com o outro (é conluio que chama?). Chegou a uma circunstância esdrúxula em que Moraes (membro do TSE) votar para encaminhar ao presidente de inquérito no STF (ele mesmo) uma solicitação de investigação contra Bolsonaro.

Houve forte atuação do Judiciário contra Bolsonaro e sua trupe, incluindo o seu partido que chegou a ser multado em mais de 22 milhões de reais. A Justiça proibiu de se dizer a verdade sobre Lula (descondenado, amigo de ditadores, a favor do aborto) ao mesmo tempo permitia a divulgação de mentiras sobre Bolsonaro (genocida, canibal, racista, homofóbico).

O então presidente do TSE, ministro Fachin, o mesmo que resgatara Lula das catacumbas, reuniu embaixadores para falar mal do presidente da República. Em tempos normais, seria um crime de lesa-pátria, mesmo porque o único com legitimidade para falar a mandatários ou representantes estrangeiros é o presidente da República. Ninguém fez reparos a Fachin, mas quando Bolsonaro chamou os mesmo embaixadores para fazer sua defesa, abriu-se um inquérito e acabou ficando inelegível.

Os partidários do presidente acompanhavam isso tudo com indignação crescente, mas Bolsonaro, apesar dos arroubos retóricos, sempre repetia o cansado bordão de agir dentro das quatro linhas. A desconfiança sobre as urnas era plausível, e crescia quando o TSE se fechava em copas, sem transparência, e inflexível sua defesa. A dúvida sobre a higidez do processo, que já foi expressa por políticos de todas as matizes ideológicas (Dino reputou sua derrota à fraude eleitoral), passou a ser um ato antidemocrático de bolsonaristas.

A derrota de seu candidato, por margem ínfima (não chegou a 2% de diferença) criou um anticlímax, uma revolta. Muitos acorreram aos quarteis a pedir solução de onde menos se poderia esperar. Havia radicais e extremistas entre eles, mas a maioria era de cidadãos preocupados com o seu país, tangidos pelas palavras de ordem e o sentimento de que o ladrão não sobe a rampa. Subiu, numa solenidade sem contestação.

Os sequelados pela guerra de narrativa continuavam em frente aos quartéis até a manifestação na Praça dos Três Poderes, quando descambou para o vandalismo, que deve ser punido como tal. Golpe, tentativa de golpe, só nas narrativas de quem precisa justificar suas atitudes ilegais e de quem tenta se legitimar como salvador da democracia. A federação PT/STF/TSE venceu e escreve a história a seu bel-prazer.

Lula e Moraes unidos no objetivo de controlar as redes sociais. Os dois foram a uma festa de comemoração pela vitória nas urnas, com samba e drinks. Era muita festa na casa do Kakay.

Mesmo com todo o esforço midiático, e a repetição de bordões dos alinhados (no Executivo, no Legislativo e no Judiciário), não conseguiram convencer o povo do tal golpe. Tudo que contrarie o PT é golpe (é gópi). Não chegou a 20% o percentual de brasileiros que acreditam ter havido tentativa de golpe.

Não conseguiram engabelar nem todos os lulopetistas. Isso deve, em grande parte, à atuação das mídias sociais que se contrapõem ao discurso oficial da mídia permitida. Por isso, já se inicia uma nova grande campanha: a regulação das redes sociais. É uma verdadeira tara (de Lula e de Moraes) em controlar o povo, tendo como principal fetiche as mídias sociais.

Luciano Cléver

Luciano Cléver

Jornalista formado pela UFC, em 1988, coordenou o núcleo de comunicação da Caixa por 18 anos, trabalhou como repórter na Gazeta Mercantil, no Diário do Nordeste como secretário de redação, editor do jornal Expresso do Norte (Sobral), foi editor do portal do Sistema Paraíso. Está à frente do programa de rádio Café com Cléver, veiculado na rádio Paraíso FM (Sobral). E nas redes sociais (Youtube.com/@cafecomclever). É comentarista na TV União. Cristão, apaixonado por cinema, vinho e xadrez.

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