O fato, o rumor e a manipulação da realidade

A História e a historiografia, levadas a sério, impõem cuidados ao pesquisador ou ao curioso letrado, para que a realidade não seja dissimulada pelos seus Intérpretes.

Faltando respeito aos fatos e às circunstâncias que os condicionam, transformam-se em terreno devoluto, de amplo domínio da mídia, dos “hackers”, espécie de mercenários a soldo dos partidos ou dos políticos.

Em momentos cruciais da história moderna, nesta Europa conflagrada por interesses ancestrais, a verdade, torcida pelas conveniências da Fé ou das ideologias em que se transformaram as utopias benfazejas, foi, muitas vezes, violada. A mentira na política não foi inventada, como conceito ético ou moral, pelo membros das Altas Cortes. No jardim do Éden, Eva e Caim mentiram. Adão suspeitou mas o Senhor fez ouvidos de mercador, conforme registros disponíveis em boa prosa.

Maquiavel e Vieira trabalharam com afinco e brilho abrasivo sobre estes conceitos. O Príncipe, tanto quanto os Antístites do cristianismo e em outros caminhos pavimentados da Salvação, serviram-se, por força de lealdades suspeitas, em alguns casos, da mentira ou da verdade relativa, em proveito da missão a que se consagraram em vida.

Os registros históricos são magistrais e significativos e demonstram como a realidade pode ser contestada e negada em face das revelações das conveniências e do apego às ideologias.

Weimar, o exemplo notório de um projeto constitucional construído entre impérios e alianças invencíveis, foi dilacerado pela força do totalitarismo que já assumia, por esse tempo, novos ares, à sombra do fortalecimento do Estado. Ruíam as monarquias absolutas e em seu lugar surgia o Estado absoluto, sob formas variadas encobertas pelo rótulo de um produto “democrático”.

Foi assim na Alemanha do “nacional socialismo”, concebido com proteção dos trabalhadores, na Itália, com os partisans das milícias de Mussolini.

A “marcha sobre Roma”, a condenação de Hitler em Munique, a ascensão incontrolável do nazismo, a noite dos cristais e, finalmente, para a consolidação do III Reich, o incêndio do Reichstag — são fatias da história que indicam como se faz ou desfaz a democracia.

Em Fortaleza. a exemplo de Icó, que fizera disparar um canhão imprestável contra o Kaiser, por discordâncias no campo da política internacional, alguns patriotas queimaram lojas alemãs — A Pernambucana, entre outras — e requisitaram patrioticamente os estoques de tecidos importados. Tal o nosso fervor democrático contraídos nas refregas que abraçavam naquele momento trágico a liberdade posta em questão.

No Brasil, o “Estado Novo”, obra jurídica que anteciparia , com Francisco Campos, os contornos de um “ditadura constitucional”, em 1964, chegou de mansinho, nas dobras de uma arenga gaúcha sobre democracia e quejandos.

Temos, nós brasileiros, um pendor democrático incontrolável: sempre que se prenuncia um golpe, por aqui, alguém boceja e fala sobre as virtudes da democracia… Como aquele marechal de campo de Hitler que se queixava, sempre que ouvia falar em cultura, acometer-lhe uma vontade irrefreável de puxar a sua Lugger.

Somos os arquitetos de uma democracia votiva, adorada, desde que ela não se faça real.

A Democracia impõe um elevado custo operacional e, como forma de governo auto-sustentável, como dizem os CEO da administração pública, mostra-se altamente ineficiente. Há quem lembre, com razão, a necessidade da aderência de práticas “coach” aos regramentos da governabilidade do Estado…

Os da minha idade, denunciados pelo risco que a nossa longevidade traz aos indicadores do PIB, em países em crescimento, conservamos-nos “conservadores” e “reacionários”.
Afinal, alguém tem que reagir a esta modernidade esquizofrênica que nos ameaça a todos. Até mesmo por questionar a imagem que nós fazemos de um velho conceito — o da democracia desadjetivada…

O “new constitutionalism” que adotamos desde que os nossos juristas passaram a ler Kant e Heidegger em alemão, fala com eloquência sobre essa vocação libertária brasileira ancestral…

A memória não nos deixa, infelizmente,esquecer eventos exemplares de falsificações e manipulações dos fatos que mudaram ou poderiam ter mudado o ritmo da nossa história.

As “Cartas” atribuídas a Artur Bernardes. forjadas com o propósito de indispor o presidente com as forças armadas, quase levam o País a uma revolução armada. Não escapamos, entretanto, de uma conflagração verbal patriótica que encheram muitos livros didáticos e as gazetas.

O “Plano Cohen”, falsificado com cuidados de ourives, pretendia demonstrar a participação do presidente Vargas em um conluio com os Integralistas.

A “Carta Brandi” pretendia associar um conluio do qual participavam Perón, Getúlio e Jango para implantar, no Brasil, uma ditadura sindicalista.

O AI-1, de 1964, foi uma antecipação a futuros desapegos democráticos dos brasileiros subversivos. A direita e o fascismo não haviam, ainda, sido designados como atividades anti-democráticas insidiosas no Brasil. Nem a esquerda. Vivíamos naqueles tempos, ao que parece — em uma democracia.
Sem acidentes topográficos de inspiração ideológica.

A força das armas foi silenciada em termos políticos. Todos mostram-se , entretanto, surpreendentemente, conformados e até orgulhosos com o novo papel que lhes foi designado.?Afinal, as fronteiras, tão longas e com uma vizinhança tão assanhada, carecia dos cuidados de uma força capaz de impedir a descida desses montanheses dos Andes para o Atlântico…

Por enquanto, dado o nosso perfil democrático e republicano, aguardamos com alma gentil de patriotas que o conceito de democracia seja redesenhado. Mas se não for por decisão judiciária, monocrática, que seja por referendo ou por uma Assembleia Constituinte, como se montavam antigamente as Constituições.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor e escritor, além de ex-reitor da UFC

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pode te interessar:

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x250px

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x300px

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x300px