Alain Delon, encantador de tantas mulheres bonitas, chegou à conclusão que viver com tantos chatos em volta é um desafio insuperável.
Não tenho em meu favor a folha corrida de Alain Delon com tantas mulheres formosas e inevitáveis criaturas chatas.
Ainda assim, fiz minhas as reflexões do ator. Não que eu esteja cogitando recorrer à eutanásia, com a cumplicidade de um dos meus aplicados clínicos. O que sobrou das moléstias acumuladas e mal curadas, entre elas a idade, me garante algumas sessões imunoterápicas e a indulgência dos herdeiros, já quem muito pouco têm a esperar — a não ser livros…
Outras preocupações me dominam, devo confessar. Não menos preocupantes, admito.
Até pouco tempo, temia, como muitos dos da minha idade, que as forças de terra, mar e ar assumissem aquela brecha constitucional que lhes conferia um tal de poder “moderador” e trouxessem o sargento Guy Montag para queimar os nossos livros.
Vencido esse susto, com a revisão das funções guerreiras da tropa e a designação de outros encargos, a serem patrioticamente exercidos ao longo dos 8 mil quilômetros de fronteiras, com esses ditaduras peraltas dos Andes, caiu a ficha em muitas cabecinhas anciãs, como parece ser o meu caso.
A democracia, ficou assentado entre entendidos, defende-se com brocardos jurídicos e com as teorias do novo-constitucionalismo que herdamos como consequência inevitável das habilidades linguísticas e vernaculares auferidas no estudo dedicado em língua alemã por alguns antístites do direito pátrio.
Logo, vieram as interdições e suspeitas que sobre todos passaram a pesar, os confiscos e as incômodas tornozeleiras
Importadas e a espionagem sobre as nossas íntimas conjecturas políticas.
A alguns, mais experientes, valeu a prudência para calar as impropriedades de alto risco. Logo recolheram as críticas e impertinências antes que fossem qualificados como gente de mau comportamento e anti-sociais.
Ao tempo de 1964, muitos atearam fogo em livros perigosos, apagando qualquer motivo de suspeita comprometedora. Guardaram os textos permitidos, os mesmos incluídos agora no índex das leituras mal comportadas.
Aflige-me a imagem ameaçadora dos exterminadores do Fahrenheit 451, já que não queimei a tempo os textos condenados em 1964 e os que agora representam perigo maior — os textos de Carl Schmidt, por exemplo, e dessa turma fascista que ainda sobrevive nas universidades e nas minhas estantes. Cabe aqui asseverar que não sou bolsonarista. Tampouco lulista. Tomo em meu favor o depoimento de amigos e desafetos…
Escondi essas preciosidades — nada mais fácil do que esconder livros em um país onde poucos leem — em meus baús subversivos e já pretendo continuar a zelar pela sua guarda até que passe o perigo de pensar por conta própria.
Estes cuidados não bastam, aconselhou-me um amigo, entendido nestes assuntos de censura e de cuidados traumatológicos aplicados a determinada ideologias. Dei-lhe razão. E decidi-me pelo silêncio obsequioso de quem só fala o indispensável e permitido.
Tudo isso que aqui exponho servirá para prevenir os amigos e até mesmo os detratores habituais que, de agora em diante, só falarei na presença de um advogado ou de um filósofo. E o faço a contragosto, para resguardo prudente do corpo e do meu pescoço que os vingadores ideológicos andam com a mania incômoda de enforcar pessoas vivas por mero dissenso dialético.
Mania inaceitável. Eu diria inapropriada, com mais propriedade.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor e escritor, além de ex-reitor da UFC