Caça a Bolsonaro envolve o futuro como crime do passado

Dedico este artigo aos primeiros vermes que roeram as frias carnes do cadáver da defunta justiça brasileira, morta a machadadas.

A ficção do cinema e da literatura tomou conta do judiciário. Sem prova concreta contra supostos crimes de Bolsonaro, a Procuradoria Geral da República apela ao realismo fantástico das obras literárias e até ao metaverso ou universo paralelo para buscar no futuro uma prova de crimes pretéritos. Tento explicar. Bolsonaro compartilhou, e logo apagou, um vídeo de um procurador dizendo que Lula foi eleito pelo TSE/STF. A postagem foi feita no dia 10/1. Seria a prova de que ele instigou os atos de dois dias antes: 8 de janeiro.

Pela lógica da PGR os manifestantes acusados de praticar atos antidemocráticos viajaram ao futuro. Lá, consumiram o vídeo acusando a Justiça de ter prejudicado seu candidato. Embora permanecesse apenas duas horas no ar, antes de ser deletado, foi o suficiente para insuflar os cerca de quatro mil bolsonaristas, que acionaram a máquina do tempo para voltar ao passado e tentar derrubar o governante que usurpara a coroa de seu rei, que se exilara num hospital dos Estados Unidos.

Não parece coisa de cinema? Como a realidade não oferece substância para fundamentar a denúncia contra o ex-presidente, resta a ficção. O roteiro é mesmo ficcional. Desde o realismo inaugurado no Brasil por Machado de Assis, com As Memórias Póstumas de Brás Cubas, que mexe com nosso intelecto quando o defunto-autor dedica o livro “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver“, não se via algo tão fantástico. Nem no requentado jornalismo domingueiro da Globo.

Nunca houve uma perseguição judicial tão grande contra um presidente em exercício. Por dá cá aquela palha, abria-se uma investigação contra Bolsonaro. Suas ações e políticas de governo eram travadas pelo STF. Dizem eles, agora, que, ao fazer isso, mesmo fora da lei, salvaram a democracia. É como se deflorasse a virgem a pretexto de evitar que ela fosse desvirginada pelo inimigo. Atentem: Até o governo de Temer, nenhum presidente foi investigado no exercício do mandato. Mesmo os crimes anteriores são sobrestados até o fim do mandato.

Bolsonaro é alvo de, pelo menos, 25 processos. Muitos, sem pé nem cabeça. Alguns, já arquivados, mas serviram para atanazar a gestão. Como nenhum dos inquéritos prosperou, tanto o governo de Lula, quanto o STF que o elegeu (conforme Gilmar), passaram a apostar nos tais atos antidemocráticos. Com a ajuda da azeitada máquina de comunicação, vendeu a narrativa de que uma multidão, muita gente idosa, sem armas, sem atacar ninguém, queria derrubar o governo recém-leito por margem mínima. Compensaram o déficit de voto com excesso de narrativa.

Em cada nova tentativa (joias, cartão de vacina, delação de Cid), surgiam os rumores da iminente prisão de Bolsonaro. Não bastava derrotar, precisaria tornar ilegível. Mais que isso, mandá-lo para a prisão. Era tanta pressão, que o sub-procurador Carlos Frederico dos Santos tornou público que a delação de Cid era fraca, “só narrativa”. A pressão aumentou, com recado via GloboNews: Se a PGR não oferecesse a denúncia contra Bolsonaro, teria consequência, poderia incorrer em prevaricação.

Encurralada, a PGR disse que já tinha indícios, mas aguardava uma prova, o vídeo do Facebook, para apresentar a denúncia. Por duas vezes, o vídeo foi negado pela Meta, pois, deletado pelo próprio autor, não tinha como recuperar. Alexandre de Moraes entrou em campo e determinou multa diária de 100 mil reais caso o vídeo não aparecesse. Nada.

De repente, alguém consegue o vídeo, de forma não oficial. Agora vai. A primeira-dama já anunciou: Se tudo der certo, Bolsonaro será preso. Parece claro: Bolsonaro já foi condenado pelo STF, falta só o processo com as provas que, de um jeito ou de outro, aparecerão. Nem que, para isso, haja implosão do Judiciário. Daí, os expedientes pouco usuais e sem respaldo na tradição: inquéritos abertos para apurar crimes que ainda acontecerão, tipo Minority Report, pesca probatória (e predatória) e o Direito Penal do Inimigo, entre outras anomalias.

Moraes e seus colegas insistem na tese do golpe para encobrir o golpe que eles mesmos deram na Constituição. A queda da democracia se inicia com a derrocada do judiciário, quando a Constituição vira letra morta. Já não temos o Supremo, mas o Simulacro.

Luciano Cléver

Luciano Cléver

Jornalista formado pela UFC, em 1988, coordenou o núcleo de comunicação da Caixa por 18 anos, trabalhou como repórter na Gazeta Mercantil, no Diário do Nordeste como secretário de redação, editor do jornal Expresso do Norte (Sobral), foi editor do portal do Sistema Paraíso. Está à frente do programa de rádio Café com Cléver, veiculado na rádio Paraíso FM (Sobral). E nas redes sociais (Youtube.com/@cafecomclever). É comentarista na TV União. Cristão, apaixonado por cinema, vinho e xadrez.

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