Os justiceiros aprenderam com o STF

Se ministros do STF entendem que podem agir fora da Lei em defesa de um bem maior – a democracia – por que o cidadão comum não pode seguir o mesmo raciocínio em defesa da própria vida e da de sua família? A ação justiceira da corte suprema legitima a inciativa de justiceiros e milicianos. Se Gilmar Mendes se jacta desta ação, chamando para si e aos seus o título de heróis, o cidadão (ou playboy) pode pleitear também para si uma vaga no panteão nacional.

Milicianos de outrora e os justiceiros de agora prosperaram na seara fertilizada pela ausência do Estado. Se não o mais fértil, o solo do Rio de Janeiro é o mais visível dessa semeadura, regado pela mão não tão invisível do Supremo Tribunal Federal, que protegeu a plantação de joio ao proibir operações policiais nos morros e comunidades cariocas, dominadas pelo crime organizado. A justificativa era a pandemia, mas até hoje não se curou dessa anomalia.

Reféns de traficantes e de todos os tipos de bandidos, a população das comunidades cariocas aplaudiram a chegada da milícia. A aquiescência foi geral, dos morros à zonal sul, mas com discrição. Soltar fogos é coisa de bandido, para avisar a chegada de carregamento de drogas ou alertar a presença da polícia. Sem a presença do estado, a milícia surgiu para proteção contra a bandidagem. Depois evoluíram ao comércio e também se tornaram bandidos. Quem age fora da lei não tem limites.

Com a mudança de governo, que contou com a ajuda do STF para vencer (palavras de Gilmar Mendes), a polarização era visível também na área da segurança. Enquanto o antecessor tinha discurso duro contra a bandidagem, quando muitos dos seguidores defendem a barbárie do “bandido bom é bandido morto”, o governo que assumiu tem um discurso que passa a mão na cabeça de criminosos: “querem dinheiro para comprar cerveja”. É corroborado com o discurso petista de desencarceramento, visto pela sociedade como “soltar bandido”.

No governo de Lula, cujo Ministério da Justiça é um dos mais frágeis, com falas estridentes e práticas nulas no combate à criminalidade além de atos que denotam simpatia com gente da pesada, desde a visita à Maré à acolhida à Dama do Tráfico aos gabinetes ministeriais, o povo se viu abandonado diante do crescimento da violência. Segundo portal do Globo, neste ano, índices de furto e roubos disparam em Copacabana, que vive rotina de violência.

Neste contexto, surgem os justiceiros, logo após várias cenas de brutalidade pelas ruas do bairro. O rapaz que tomou a iniciativa, que não deve ser estimulada, foi logo preso, enquanto os bandidos continuavam à solta. Foi chamado de playboy, como se desqualificasse. Tudo isso é muito deplorável e também inquietador. A falta de crença nas instituições pode nos levar de volta à barbárie.

Quando a humanidade, num marco civilizatório, firmou o pacto social, nós delegamos a exclusividade da violência ao Estado. O conceito de Justiça, para eliminar a vingança, instituiu a revogação do Código de Hamurabi e a Lei de Talião, do dente por dente e olho por olho – ou acabaríamos todos cegos e banguelas. Quando a corte que se diz suprema começa a fazer justiça com as próprias togas, afastando-se da constituição – nosso contrato social atualizado -, há uma clara lição aos que acham que a lei só serve para os pequenos. Melhor ser amigo do rei do que seguir a lei.

No mesmo discurso em que se jacta de heroísmo, pedindo reconhecimento aos feitos que, só por eles, trariam Lula de volta à cena do crime (copyright Alckmin), Mendes esbravejou contra a Lava Jato, a força tarefa que fez o brasileiro acreditar que a Lei poderia alcançar os poderosos. Pela primeira vez, empresários e políticos de alto coturno desfrutaram das “regalias” que, até então, o Estado só oferecia ao trio PPP – pretos, pobres e prostitutas.

Há um desalento geral, e não apenas pelas reviravoltas políticas, mas pela impunidade que voltou a reinar. Diante de tantos escândalos, de tantas roubalheiras, não há mais ninguém preso no país por corrupção, enquanto os presídios do Distrito Federal estão lotados de cidadãos que protestaram contra, vá lá, o resultado das urnas. A dupla criminosa composta por Lavagem de Dinheiro e Corrupção Passiva voltou ao sucesso em todas as paradas, como atesta a CGU, indicando que o Brasil (da impunidade) voltou.

Até a chegada da Lava Jato, o STF não havia condenado nenhum político, e só o Supremo é competente para isso. Todos amavam o tal do foro privilegiado, pois não seriam condenados. Na outra via, certamente para prestar serviço a uma corrente de poder e exigir reconhecimento por isso, o STF, sem competência para tal, está punindo com o máximo de rigor, acumulando crimes, os manifestantes de 8 de janeiro, passando por cima até das prerrogativas. Dão uma péssima lição aos brasileiros. Virou uma casa política, perdendo credibilidade e legitimidade.

Os justiceiros que exibem capas pretas na Praça dos Três Poderes, que comandam o país a partir do Supremo, dão forte lição ao justiceiros menores, que também querem o seu quinhão de heroísmo e visibilidade. O STF, querendo ou não, é muito didático.

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Luciano Cléver

Luciano Cléver

Jornalista formado pela UFC, em 1988, coordenou o núcleo de comunicação da Caixa por 18 anos, trabalhou como repórter na Gazeta Mercantil, no Diário do Nordeste como secretário de redação, editor do jornal Expresso do Norte (Sobral), foi editor do portal do Sistema Paraíso. Está à frente do programa de rádio Café com Cléver, veiculado na rádio Paraíso FM (Sobral). E nas redes sociais (Youtube.com/@cafecomclever). É comentarista na TV União. Cristão, apaixonado por cinema, vinho e xadrez.

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