As estrelas também envelhecem

Preferível o PT perder com Luizianne a ganhar com Evandro Leitão. Poderia ser uma visão romântica de um partido que já renegou mais de uma vez suas origens. Um candidato que aterrissa de paraquedas numa sigla partidária não é novidade na política brasileira. Mas é raro no Partido dos Trabalhadores. E quando chega fuçando a área em busca de vaga para disputar eleição majoritária é de se esperar grande alvoroço.

Luizianne Lins, a loura estrela fulgurante, a pré-candidata mais alvissareira, farejou o ar e sentiu o cheiro do perigo. Enquanto a candidatura de Evandro descia dos ares, a sua subia ao telhado. Por isso, a Loura exibiu o currículo, na frente de quem estava na iminência de lhe tomar o lugar: nove visitas ao Lula na prisão, enquanto tinha gente que pensou em abandonar o partido para não se sujar. O limpinho, ao que tudo indica, seria o senador Camilo Santana, segundo enredou Ciro Gomes, em briga política com o irmão Cid.

Tudo se encaminha para que sejam relegadas as candidaturas de petistas históricos – Artur Bruno, Guilherme Sampaio e Luizianne. Larissa Gaspar não é tão histórica assim. O desenho está rascunhado. Cada um vai espernear a seu estilo, mas Leitão prevalecerá. Não é torcida. É análise. Nem precisa ser especialista em semiótica para compreender a imagem que se rabisca.

Quero adiantar que sou admirador da Loura. Ela não vai se lembrar, mas eu trabalhava no Diário e falei com ela logo depois de um debate com os candidatos na TV Verdes Mares. Ela tinha 3% nas pesquisas, e eu lhe declarei apoio. Minha bandeira há muito desbotara. Mas era grande a admiração por ela, mulher guerreira, que enfrentou os poderosos dentro e fora do partido para viabilizar sua candidatura e vencer as eleições. Tive a alegria de produzir a capa que veiculou sua vitória.

Mas o tempo passou, e eu acho que até a Luizianne viu. Por isso, não compreendi o tom indignado do artigo de Beatriz Furtado, jornalista e professora universitária, outra pessoa que admiro, contra o jornalista Nicolau Araújo, que fez a mesma leitura acima, com o seu estilo, claro. Todos aqui somos jornalistas – Luizianne, Nicolau, Beatriz, Eliomar, cujo blog abrigou os dois artigos, e este locutor que vos fala. Nenhum de nós tem o cabedal acadêmico da professora. Vamos então falar como se numa confraria de jornalistas.

A professora sabe que o pior numa discussão acadêmica é argumentação ad hominem, quando se ataca o autor da ideia, e não a ideia em si. Tudo isso por causa de um artigo dele comentando declarações da Loura, argumentando que Evandro Leitão é a soma.

Na primeira linha, Beatriz Furtado, do alto de seu currículo Lattes, tenta desqualificar o autor: “dito especialista em marketing político”. E ainda disse que ele se inseriu no debate sob o signo do desdém. Não precisa disso, doutora. Nicolau não fez pouco das mulheres que declararam apoio a Luizianne. Disse apenas o óbvio. Elas não causam o menor impacto no eleitorado local nem nas personagens que decidirão qual será o candidato (ou a candidata) do PT. Portanto, o problema não é contra mulheres, pois ele até exemplificou: “Se fosse a Gleise Hoffman”.

Logo depois, faz algo que não esperava dela. Com vasto registro de pesquisa, estudos e atuação em audiovisual, resolveu fazer uma análise semiótica da foto que ilustra o artigo. E não diz coisa com coisa: “Não é à toa que a imagem desse senhor o coloca numa posição de domínio frente a um jogo de xadrez onde as posições das pedras (sic) revelam submissão ao seu olhar”. Que viagem, meu!

As peças, por inanimadas, estão ali submissas a qualquer pessoa. Nem uma tem autonomia, movem-se ao bel prazer do jogador. Além do mais, chamar as peças de xadrez de “pedras” revela total desconhecimento do jogo. E eu aconselho a aprender a jogar. Talvez seja a melhor metáfora da vida. Certamente por isso seja tão usada, mesmo por quem não entende bulhufas do jogo.

E aqui, vale uma pausa. Um jornalista presunçoso (pleonasmo?) da Folha “corrigiu” Bolsonaro, quando o ex-presidente, usando da metáfora enxadrística, falou que a PGR era a dama. O presunçoso, que não entendia de xadrez, disse que Bolsonaro desconhecia o jogo, pois o nome da peça seria rainha. Além da presunção, a ignorância. A peça é chamada, no Brasil, de Dama. Por uma razão simples. A partida oficial deve ter seus movimentos registrados. PD4 é o peão na linha 4 da coluna da dama. PR4 é o da coluna do rei. É para evitar a ambiguidade.

Eu acho que Nicolau escolheu uma foto que ele estivesse bem e queria se amostrar como jogador de xadrez. Mas, se a professora vislumbrou na composição dos elementos, o olhar dominante sobre peças submissas no tabuleiros, deve ter escolhida uma foto sua cheia de significados para ilustrar o texto em que combate o machista e bem pago jornalista para defender sua candidata. Fui dar uma olhada.

Optou por uma fotografia em preto e branco, clima noir, (conota elegância, poder, superioridade). Cabelo em certo desalinho, personagem descolada. Ao fundo, a biblioteca, o saber acumulado. A foto guarda a beleza furtada pelo tempo, um sorriso prestes a desabrochar, com realce ao amadurecimento trazido pelos saberes múltiplos expostos na estante. Pode-se dizer que minha análise, sim, já é outra viagem. O coração selvagem.

Para fortalecer o seu argumento, Beatriz afirma que Nicolau vota em Evandro Leitão, como ela votaria na Loura, se houvesse essa possiblidade. Diz ela que o jornalista quer extirpar a candidatura de Luizianne. E alopra: “pretende o mesmo com outras mulheres” petistas. Esse cabra é muito poderoso! Não, minha cara Beatriz, Nicolau Araújo não tem esse poder. Quem vai extirpar a candidatura de Luizianne é o próprio PT. Como tentou fazer da primeira vez. Ela teve que enfrentar até Lula, além de José Dirceu, e até os machos do PT local que inventaram a canalhice do “Sou PT, voto Inácio”.

Num deslize, Beatriz chama Garrincha para o jogo, para discutir a frase “combinaram com os russos?”, citada no artigo do jornalista. Nicolau fez a citação, mas cometeu um pecado para o mundo acadêmico. Não deu o crédito ao autor. Mesmo assim, Beatriz desmente o que o jornalista não afirmara sobre a autoria da frase, que virou lenda e atribuída a Garrinha no oceano de citações. Dizem que a frase existiu, mas dita noutra circunstância, por diferente jogador. A metáfora, porém, tem cabimento.

E a partir daí, Beatriz descamba a outros desvios. Se não entende de xadrez, tampouco é craque no futebol. E veio com a história de que tinham combinado com o russos (poderosos), mas “Lula está livre, babacas”. Ora, ora, foi a combinação com os mais poderosos que o descondenou. Desde a manipulação na turma do STF, com pedido de vista por mais de um ano do Gilmar, para desqualificar Moro, até a decisão de Fachin pela incompetência de Curitiba. Só deu certo porque foi muito bem combinado com os russos e também com o árbitro. E até com o VAR.

Para lamento meu e de muitos, não haverá a candidatura de Luizianne Lins, não porque será extirpada por José Nicolau Araújo (ah, coitado!), mas pelos russos que comandam o PT, local e nacional. A Loura, que em outros tempos, contava com aliados minoritários para se viabilizar, agora está isolada dentro de sua corrente, entre tantas que amarram o PT. Todos foram contemplados no governo Elmano.

Alguns tecem fiapos de esperança à espera da gratidão de Elmano, que só veio para ribalta do palco político pelas mãos de Luizianne. Saiu dos bastidores de uma secretaria para ser o poste sucessor, mas faltou luz, perdendo o jogo para Roberto Cláudio. Mas ganhou visibilidade e, com o apoio de Luizianne, foi deputado. Chegou a disputar a prefeitura de Caucaia e ficou em quarto lugar. Chegou ao governo pelas mãos de Camilo.

Na política, a traição é uma questão de datas. A frase é atribuída a Talleyrand, dos tempos de Bonaparte. Seria certo falar em ingratidão ou traição de Elmano em relação à Loura, que o fez crescer na política? Mas, e quanto a Camilo, que o fez governador? Todos querem Evandro, em detrimento das demais candidaturas, como quiseram Elmano quando poderia ter sido uma mulher.

O PT já foi um partido de grandes estrelas, o maior brilho no Cruzeiro do Sul, quando tinha o vigor de um projeto coletivo. À medida que se aproximou do poder, foi se transformando em um cemitério de estrelas cadentes. A maioria caiu nos braços da corrupção, e o personalismo, tal parasita, cresceu a ponto de matar o hospedeiro. O lulismo brilhou mais que o petismo, e muitos sonhos foram sacrificados no altar dessa deidade.

O pragmatismo, o poder pelo poder, mostrou as veias abertas da América na latrina, e ninguém buscou mais a utopia, que se afastava no horizonte a cada passo em sua direção. Mas as estrelas, mesmo quando morrem, emitem luz. A não ser que haja um buraco negro (não se ofenda, Anielle Franco) a sugar para si toda luz e toda energia, até as mais sutis. As estrelas teimosas subsistiram, mas até elas envelhecem. Longe da raiz (e de seus radicais), o Partido dos Trabalhadores tende a fenecer em vigor. Já foi um grande partido, agora, no máximo, um partido grande.

Beatriz, não me leve a mal, não creio tratar-se de uma questão de gênero (pelo menos, não por parte de Nicolau), mas da análise do cenário, do desenho pintado pelos próprios petistas. Um dia depois de pedir filiação, Evandro já estava nos braços de Lula, com fotos e votos de boas-vindas. Espero votar na Loura para senadora. Se deixarem. Minha querida, como diz a Dilma, direcione sua indignação para o machos petistas que estão isolando a Loura e pisoteando o partido, dando a vaga e a expectativa de poder a quem jamais foi petista. E até eu já fui.

Luciano Cléver

Luciano Cléver

Jornalista formado pela UFC, em 1988, coordenou o núcleo de comunicação da Caixa por 18 anos, trabalhou como repórter na Gazeta Mercantil, no Diário do Nordeste como secretário de redação, editor do jornal Expresso do Norte (Sobral), foi editor do portal do Sistema Paraíso. Está à frente do programa de rádio Café com Cléver, veiculado na rádio Paraíso FM (Sobral). E nas redes sociais (Youtube.com/@cafecomclever). É comentarista na TV União. Cristão, apaixonado por cinema, vinho e xadrez.

Uma resposta

  1. Como sempre lúcido na análise de momentos políticos de nossa história, conseguindo antever o que, pra ele, parece tão óbvio, mas que para muitos, entre os quais me incluo quase sempre, parece devaneio ou sonho de uma noite de verão. Pois bem, respeitando bem a citada jornalista, verão que o jornalista Luciano Cléver tem razão. Mais uma vez. Me cansei de checar, mas continuo checando mesmo cansado, o quanto ele usa sua inteligência muito acima da média e sua incrível habilidade com as palavras para explicar a montagem do cenário do palco do teatro, ou seria circo, mas se fosse este seria picadeiro, da política cearense, com belas alusões as grandes personagens nacionais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pode te interessar:

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x250px

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x300px

Área de anúncio

Esta é uma área para anúncios ou CTA em tamanho 300x300px