O nascimento do menino

Se o menino nascesse por agora

Quando mais se desgarra a fera humana,

Quando a raça mais desce e mais piora

Nas veredas da vida tão profana;

Quando em horrores no mundo mais aflora,

Essa infinda disputa desumana,

Quando fera-homem se  autodevora

Cada dia mais louca e mais tirana…

Tão difícil é saber qual o destino

Do que dizem ser Filho do Divino.

Se o menino nascesse no Brasil

No recinto promíscuo da favela,

Onde a vida é mais dura, ingrata e vil,

Onde por pouco ou nada se escalpela,

Onde antes de um ano cem por mil

Vão ter ao cemitério da capela;

Se o menino nascesse no Brasil

A história-mito não seria aquela

Contada sobre o Filho de Maria

Que sendo Deus nasceu na estrebaria.

Se o menino nascesse brasileiro

Nas condições em que nasceu Jesus,

O primogênito do Carpinteiro

Não teria morrido numa cruz,

Pois, se passado fosse o ano primeiro

Da infância da vida – idade luz –,

É certo que ao segundo e ao terceiro

A possibilidade se reduz,

Porque aqui os infantes dos plebeus

Ou são párias ou “anjos” pigmeus.

Se o Menino nascesse no Nordeste

Rincão de gente pobre e combalida,

Apesar de ser um cabra da peste

Só mesmo sendo Deus para ter vida,

Pois aqui entre nós a fome investe

Contra uma gente humilde e tão sofrida

E a sobrevivência se reveste

Na ingente busca da terra prometida.

Se Cristo houvesse nascido nordestino

Pior teria sido o seu destino.

Se o Menino nascesse neste Chão

Já poderia vir ao mundo aidético,

Sofrer de mal mortal do coração

Ou padecer de um mal qualquer genético,

Poderia morrer de inanição

Ou por falta de tratamento médico

E se escapasse de tanta maldição

Não sei bem se seria um Ser profético.

Eis o fado, o Destino, eis a Sina

Da Divindade, se fosse nordestina.

Se o Menino nascesse no presente

Seria uma criança meio à toa,

Pois logo encontraria pela frente

Engravatados roubando numa boa

E veria que quase toda a gente

Só canta o canto que o Maldito entoa…

Mas o Menino fala, de repente,

E sua comovente voz ecoa:

– Erra quem diz que Deus é brasileiro,

Ele nasceu nas terras do estrangeiro.

Deus! Ó meu Deus! Por que não queres ver

Tanta injustiça e tanta tirania?

Onde estão teus profetas? Teu poder

Não tem mais tanta força e nem valia?

E teu Filho o que veio aqui fazer,

Se em tua Igreja há tanta hipocrisia?!

Tua palavra não tem mais poder?

A multidão nela não mais confia?

Dela o rico extrai sempre mais fartura,

Para o pobre só fome e vida dura.

Jamais o pobre soube o que é NATAL,

Seu mundo é feito de dor e sofrimento,

Se para o rico é tudo festival

É riso, é festa e mui contentamento;

Vida de pobre é sempre um funeral

E em nada lembra alegre nascimento…

O sonho é vasto e a esperança tal

Que superam a força do lamento

Porém, no testemunho do real

Bem pouca gente sabe o que é NATAL.

Barros Alves é jornalista, poeta e assessor parlamentar

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido.

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