Para os estudiosos da política, como são os auto-confiantes “cientistas políticos”, estamos a testemunhar, ao vivo e em cores, um espetáculo incomum. O da auto-desconstrução de uma oligarquia poderosa no Ceará.
A oligarquia é um artefato no qual se reúnem o poder local, formal ou informal, tradicional ou carismático (goddmorning, Mr, Weber!) e a autoridade legal. Funcionou, desde o Império, como uma máquina de transferência de recursos políticos (dinheiro, influência e corrupção público-privada) entre o poder central e as unidades de uma federação aparente.
A oligarquia local funcionava como um elo entre os interesses das elites das províncias e dos estados e da Corte, da República e o as firmas de expressão do poder político.
Com o passar do tempo, mercê da urbanização crescente das províncias,— “capitanias hereditárias” que sobreviveram ao Império — a situação parece ter-se invertido. A oligarquia e toda e qualquer coligação de interesses armada funciona como uma extensão do poder central compartilhado convenientemente com os chefes e chefetes locais.
Os juízos de valor sobre como nasce e definha uma oligarquia foram mais significativos no passado. Os mecanismos parecem, entretanto, ser estrutural e organicamente os mesmos.
Mudaram os fluxos dos “recursos políticos” de uma economia eleitoral que a tudo preside e ordena, inclusive e sobretudo a governabilidade nas pontas — estados e na Capital .
No Ceará, o processo de transfiguração das oligarquias tradicionais parece ter se completado. Assim percebem alguns observadores experientes. No fundo, estamos a falar da metamorfose do poder local, objeto das novas forças políticas que se aninharam sob a guarda dos recursos milionários do fundo eleitoral e das emendas parlamentares.
As oligarquias continuam a ser monetizadas com recursos federais, manipulados à margem do pacto republicano. São “moderna” pela mistra da casca, mas no miolo. Continuam as mesmas.
As oligarquias familiares e das grandes famílias políticas bateram o pó de relações rurais persistentes para tornarem-se modernas — urbanas e pretensamente democráticas.
A União, personificada pela caixa preta do erário ganhou, entretanto, maior expressão.
As oligarquias não são mais municipais — foram federalizadas.
A esquerda, quanto à direita e os remanescentes dos inquilinos históricos do Estado, os partidos em geral, conhecem bem o mecanismo de abdução dos meios e dotações públicas para a grei insaciável dos partidos que vivem á sombra do Fundo Partidário.
Sobre a topologia política prevalecente entre os engenheiros da política, a “esquerda”, existe, no Brasil, como projeção que ela faz de uma “direita” “construída”, conveniente. A “direita” faz da “esquerda” o que ela gostaria de ser, autoritária, senhora dos instrumentos que controlam a opinião.
Como no passado, entretanto, as novas oligarquias saem umas de dentro das outras, como nos partos cesarianos. Mas não perdem a sua vocação para o poder.
As oligarquias morrem por inanição, pela falta de alimentação dos fluxos que podem torná-la poderosas, dinheiro d cargos na administração pública.
Tão dolorido quanto o parto, as oligarquias, tanto quanto os oligarcas, padecem de dores terríveis, da deslealdade às traições. Famílias políticas, sobrepostas às uniões familiares celebradas por interesses comuns, desfalecem, irmãos esquecem as suas origens e abraçam distopias ingênuas e elegem novas lealdades conspícuas.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor e escritor