A Coluna do Barros Alves

Neste 15 de novembro, lideranças políticas convidam para comemorações em face do aniversário da República brasileira, proclamada há 124 anos. A meu modesto entender não há razões para festividades. No mínimo para protestos diante da excrescência em que se transformou a nossa República. Marcel Duchamp, o escrachado arremedo de artista plástico, o homem do urinol como obra de arte, que adorava trocadilhos, certamente diria que com o fim do Império brasileiro nós nos transformamos, de fato, numa RÉ PÚBLICA. Com efeito, o que temos visto ao longo desses mais de cem anos foi a governança republicana prostituir-se a cada mandato governamental e as instituições se desmilinguirem adoentadas pela corrupção desenfreada, a sofrer metástase contínua que destroça as boas células da nação. Portanto, em vez do verde-amarelo, hoje os brasileiros deveriam sair às ruas de luto.

PROSTITUTA

A república já nasceu prostituída. Sempre foi um arremedo, uma farsa, um engodo, uma enganação, um desvio da boa prática política. Nasceu de uma refrega passional. Na verdade, resultou de uma vingança de Deodoro da Fonseca contra o então senador liberal Silveira Martins, inadvertidamente sugerido para ser nomeado como chefe do Gabinete de governo, em substituição ao Visconde de Ouro Preto, no agudo da crise. Não chegou a ser nomeado, mas a sugestão do nome dele, feita ingenuamente pelo próprio Ouro Preto, que queria se livrar da batata quente, foi a gota d’água para Deodoro, que ainda vacilava, aderir totalmente à causa da República. Alguns historiadores aventam a hipótese de que Deodoro nem queria a República, mas apenas derrubar o gabinete e marcar o limite de seu poder, acabando de uma vez por todas com a ideia da presença do gaúcho Silveira Martins como primeiro-ministro. Martins havia-lhe metido um par de chifres ao tempo em que o marechal, então jovem oficial, servira no Rio Grande e se embandeirara pela mesma dama pela qual Silveira Martins quebrava asas. O garboso Silveira passara a perna no alagoano, que jamais o perdoara. Deodoro era monarquista. Diz-se que no Campo de Santana, enxaquecado, o velho Deodoro sobre o cavalo esforçou-se para sair bem na foto da história. Mas, ao sacar a espada para proclamar a República, o costume ditado pelo verdadeiro sentimento falou mais alto e ele gritou: Viva o Imperador!!!

TRAIDOR

O traidor é o traste mais nojento da sociedade. Em política tem muito esse tipo de excremento moral. Normalmente é puxa-saco e babão. Alguns, porém, conseguem ficar bem na foto da história. A República conseguiu pintar com belas cores a figura de Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”. Ele traiu o Imperador e logo depois traiu Deodoro e instalou a ditadura de 1893, sobre a qual tanto lamuria Rui Barbosa, um dos defensores da instalação da República. Floriano tergiversou até o último momento. Quando Pedro II sofreu um atentado em 17 de julho de 1889, o Ajudante-general do Exército escreveu ao Visconde de Ouro Preto, chefe do governo parlamentar: “O nosso Imperador, bem que estimado e venerado, deve ser vigiado de perto por certo número de amigos de toda a confiança que façam frustrar todo e qualquer desacato. Sei que V. Exa. Tomará as medidas precisas; mas eu quisera secundá-lo com um pequeno, mas forte contingente, que se entenderá com as autoridades de serviço. Se aceita esse concurso, peço que a começar de hoje remeta-me um bilhete de cadeira e duas entradas gerais todas as vezes que Sua Majestade tenha de assistir a representações teatrais…” O visconde baixou a guarda.

TRAIDOR – II

Floriano engambelou todo mundo do governo até o último minuto. Fazia o jogo de um lado e de outro. Deodoro pensava que ele seria um empecilho para os partidários da República. Sabia que Floriano não era homem de arriscar num terreno sem segurança, os passos que ia dar. Porém, Deodoro, depois da nomeação não consumada de Silveira Martins para primeiro-ministro, se queixara a Floriano de ter visto o ato do Imperador como uma desfeita. Floriano teria replicado: “Se a coisa é contra os casacas, lá tenho a minha espingarda velha.” Todavia, porém, no entanto, naquele mesmo dia o matreiro e disfarçado Floriano escreve ao Conselheiro Cândido de Oliveira, Ministro da Justiça, tergiversando: “A esta hora deve V. Exa. ter conhecimento de que tramam algo por aí além; não dê importância tanto quanto seria precisa, confie na lealdade dos chefes, que já estão alerta. Agradeço ainda os favores que se tem dignado de dispensar-me. De V. Exa. Menor criado, amigo certo e obrigadíssimo.  – Floriano Peixoto.” Era um babão. Ficou enrolando Ouro Preto até o dia 14 de novembro. E, na verdade, a definição só foi tomada às 3 horas da manhã do dia 16 de novembro, quando o Imperador recebeu ofício de Deodoro dando à família real o prazo de 24 horas para deixar o país. Qualquer semelhança com os prazos do atual STF não será mera coincidência.

ARREPENDIDOS

A maioria dos intelectuais que se bateram de forma sincera pela República, depois se arrependeu amargamente. O mais notório entre eles é Rui Barbosa, porque já durante a partida de Pedro II e a família para o exílio, o remorso bateu forte na alma de Rui. Luís Viana Filho (“A Vida de Rui Barbosa”) diz que ele chorou ao ver sair pela Baía da Guanabara, o navio que levava a família real para a Europa, expulsa como se criminosos fossem. Rui, paladino da Liberdade e da Justiça, estava a prever o que lhe aconteceria sob o novo regime. A desgraça começou quando o grande jurisconsulto em vez de ser nomeado Ministro da Justiça, foi colocado na Pasta da Fazenda. Um desastre! Viana Filho diz que Rui “começara pensando ter a oportunidade para realizar as ambições do seu espírito inquieto e sonhador, mas só encontrava ódio e incompreensão.” Com efeito, “o governo proporcionara a Rui amargas decepções.” Depois, igualmente ao imperador, veio o exílio. Retornado, eleito senador, em 1914, salvo engano, pronuncia famoso discurso que é citado a torto e a direito. Menos a parte em que critica a República: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. EIS A REPÚBLICA QUE EU AJUDEI A CONSTRUIR.”

CIDADÃO

Quanto ao Imperador Pedro II, que a República demonizou, só não mais do que fez com o pai, Pedro I, vale a palavra de gente como o comunista Leôncio Basbaum (“História Sincera da República), que diz ter havido mais ambiente democrático para o exercício da política no Segundo Império do que sob a República. Quando Pedro II caiu, William Gladstone, estadista inglês, então primeiro-ministro, teria dito: “Caiu a única democracia existente na América Latina.” Pedro II, sim, era o cidadão republicano, no sentido político com “P” maiúsculo em que o termo pode ser inserido. Um fato é irretorquível: a Constituição de 1823/24 foi obedecida democraticamente durante 65 anos. A República já passou cinco constituições pelo fio da espada. Definitivamente, a República presidencialista brasileira não deu certo. Continua hoje, mais que antes, um desastre a cada governo.

Barros Alves é jornalista e poeta

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido.

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