Artigo – Poder da justiça e a democracia representativa

“Lá liberté doit être pour tous ou pour personne. C’ est la seule formule de démocratie qui vaile le sacrifice”, Albert Camus

É assim que as liberdades se consomem. Usa-se a democracia para restringir precisamente os “riscos” que a democracia corre.

Suspeitos de subversão e de atividades anti-democráticas são todos os que discordam, dissentem e rejeitam a fórmula autoritária para conter as “ameaças” pressentidas contra a democracia, mediante a adoção de medidas acautelatórias, pelo formalismo condenatório de leis pretorianas, despropositadas, em uma democracia em estado presumido.

Poucas modulações autoritárias conseguiram dissimular as intenções dos seus modeladores, e por tanto tempo, ao longo da nossa história republicana, como se vê agora.

No conjunto das teorias e do exercício do poder jurisdicional, a lei cedeu o passo, nestes tempos imoderados de autoritarismo judiciário, a revisões constitucionais frequentes com o constrangimento notório dos representantes da nação. Em certos casos, o constrangimento transformou-se em adesão conveniente de parlamentares e partidos, com o propósito de garantir a formação de uma base eleitoral segura e poderosa em relação aos novos árbitros da governabilidade no âmbito do Estado.

A carta constitucional, assim como as leis e os instrumentos que a regulamentam deixaram de mostrar o seu poder de outrora. Deparam-se nestes tempos modernos, demasiadamente modernos, com anteparos de elevada força revocatória. Leis e preceitos constitucionais perderam a longevidade que lhes emprestava respeito. As primeiras, em decorrência de simples revogação, mercê de “impropriedades” apontadas pelas novas teorias adotadas pelos ilustres pretorianos togados. Os segundos, por não representarem, em conformidade com a letra da Constituição, uma “vontade durável”.

Em um certo sentido, percebe-se a exacerbação, nas modernas sociedades — o Brasil,apesar da discutível modernidade das suas instituições jurídicas, inclui-se entre elas — entre o poder de justiça e a democracia representativa.

No passado brasileiro, não tão remoto como poderia parecer, esta antinomia, dissimulada pelo discurso hipócrita, travava-se à sombra do autoritarismo pujante da tradição peninsular que deu feição e inspiração ao Estado construído pelos nossos colonizadores travestidos de brasileiros.

De democracia pode falar o povo, expressão soberana da nação; aqueles que trabalham, pagam impostos e votam, em troca de uma precária cidadania.

Juízes interpretam e aplicam leis, não as criam. Não fazem da política o móvel da suas lides judicantes.

Militares detêm o poder das armas para a defesa do chão comum — não interferem sobre o aparato constitucional.

Parlamentares criam leis, competência que lhes é delegada em função da representação que exercem, em cumprimento de mandato popular — não podem, por tudo isso, omitir-se do seu papel, cedendo à força da toga ou às imposições da farda ou da fé.

A mídia informa e comenta, não é aparelho de construção da opinião, não cria fatos, muito menos os interpreta, nem se serve do seu poder para constrição dos governantes.

É assim em uma democracia. Por incrível que pareça.

O povo é a voz da nação, somos todos nós os que nascemos aqui, os que, chegados a seu tempo, aqui trabalham, vivem e alimentam os seus sonhos e ideais de liberdade, a salvo da prostração que lhes impõem os regramentos totalitários anunciados.

Os riscos que ameaçam e fragilizam a democracia e os instrumentos postos a serviço da governabilidade, são visíveis, notórios e bastantes para roubarem-lhe a sua força e a autoridade. Mas, provavelmente, não se inscrevem entre as novas funções das quais se apropriaram os atores jurisdicionais, e dela fazem uso indevido como reforço do seu poder institucional.

Os riscos apresentados por tais e quais interferências sobre a lógica e a razão constitucional, resultam na desvalorização da representação, no afrouxamento da soberania da nação e do povo — e no apoucamento da autoridade pública.

Importam, em conclusão, no enfraquecimento do Estado e no fortalecimento de formas transversais de poder — do populismo e das formas mais agressivas de autoritarismo — no abuso referendado pela suspensão de leis, no apoio cúmplice da instância legislativa, com a apropriação de novas teorias, das revisões constitucionais assíduas, cumuladas de decisões irrecorríveis, adotadas monocraticamente por ministros-juízes aos quais falta legitimidade, virtude essencial que só a “vontade” da nação pode reconhecer e referendar.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo

Nicolau Araújo é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido.

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